Terça-feira, 6 de Setembro de 2005
Sabia que já se escreveu hombro? Não tinha qualquer base etimológica esta ortografia porque a palavra vem do latim umeru. Há pessoas que, sem necessidade, complicam a língua. Então não é que houve no passado pessoas que puseram um agá no início da palavra é?
O agá é uma letra bem esquisita. Caiu em hespanhol, que vem do latim hispaniolu e deu lugar a espanhol. Também caiu em erva mas mantém-se em herbáceo. Permanece em palavras derivadas do latim por via culta ou erudita, o que é uma coisa que pouco interessa ao utilizador normal da língua e leva a faltas de lógica como é existirem com o mesmo significado as palavras ervanário e herbanário.
Numa rádio local foi há anos dito que o saramago é uma erva herbácea. A frase é tola, mas mostra bem as incoerências do uso do agá no princípio de palavras.
Quase de certeza o agá se continuará a usar no início de muita palavra portuguesa ao longo dos séculos. Não há coragem nem vontade para o eliminar.
Os italianos escrevem umanità (humanidade), umore (humor), uomo (homem), omocida (homicida) e igiene (higiene). Em italiano muito poucas palavras começam por agá e são todas ou quase todas de origem estrangeira. Se o português seguisse pelo mesmo caminho, talvez estranhássemos a princípio, mas, passado pouco tempo, não sentiríamos nenhuma falta. Se o agá é desnecessário em desumano, não pode ser eliminado em humano? Faz alguma falta em espanhol? Alguém gostaria que se voltasse a escrever hespanhol?
Imaginem que alguém propunha a eliminação do agá inicial. Cairia o Carmo e a Trindade. As pequenas alterações introduzidas pelo acordo ortográfico provocaram reacções violentas. Até houve quem, muito a sério, invocasse a constituição por achar que a ortografia faz parte do património da nação. Santo Deus! Acham que a constituição se deve preocupar com assuntos como a ortografia?
Os brasileiros eliminaram certas consoantes surdas em palavras como baptismo ou actor, mas relativamente ao agá inicial têm sido atentos, veneradores e obrigados. Que eu saiba, nesse aspecto só diferem de Portugal na palavra húmido e seus derivados. No outro lado do Atlântico escrevem úmido, umidade, umidificar, etc mas escrevem, como nós, hora, horta, hemisfério e hélio.
O acordo ortográfico não mexeu no agá inicial, que permanece intocável. Faz lembrar as vacas sagradas da Índia. Como são sagradas, não podem ser incomodadas mesmo que se deitem na rua e obstruam o trânsito.
Autor do artigo: João Manuel Maia Alves